sexta-feira, 23 de novembro de 2007

Que possam te salvar, deter a tua queda...

-----------------Cadernos, jornais, Bíblia, Grande Sertões Veredas...
--=====-(Documentos que foram salvos da última enchente do Rio Vermelho)

---------Cora Coralina não canta apenas dela mesma. Seus versos mostram sua compaixão com tudo aquilo que é torto ou parece ser, nessa vida. Em 'Menor abandonado' ela demostra sua compaixão com todos os que não possuem voz ou vez:

(...) Pudesse eu te ajudar, criança estigma.
Defender tua causa, cortar tua raiz
chagada...
És o lema sombrio de uma bandeira
que levanto. (...)

---------As palavras 'Defender tua causa', usada pela poetisa, revelam bem a sua preocupação com várias injustiças socias. Mas, uma das quais ela mais levantou a bandeira foi a questão da educação, tanto acadêmica como moral.
---------Suas inquietações com essas pedras sociais, 'E tu - Menor Abandonado, és a pedra, o entulho e o aterro desse fosso.', podem ser observados em algumas partes de seus vários poemas, ora denunciando ora fazendo apelos aos homens e autoridades:

Antiguidades

(...) Criança, no meu tempo de criança,
não valia mesmo nada.
A gente grande de casa
usava e abusava
de pretensos direitos
de educação.

Por dá-cá-aquela-palha,
ralhos e beliscão.
Palmatória e chineladas
não faltavam.
Quando não,
sentada no canto de castigo
fazendo trancinhas,
amarrando abrolhos.
"Tomando propósito".
Expressão muito corrente e pedagógica. (...)

A Escola da Mestra Silvina

(...) Digo mal - sempre havia

distribuídos
alguns bolos de palmatória... (...)
...
(...) Banco dos meninos
Banco das meninas.
Tudo muito sério.
Não se brincava.
Muito respeito.
Leitura alta.
Soletrava-se.
Cobria-se o debuxo.
Dava-se a lição.
Tinha dia certo de argumento
com a palmatória pedagógica
em cena.
Cantava-se em coro a velha tabuada.(...)

O Prato Azul-Pombinho


(...) E o castigo foi comuntado
para outro, bem lembrado, que melhor servisse a todos
de escarmento e de lição:
trazer no pescoço por tempo inderteminado,
amarrado de um cordão,
um caco do prato quebrado.

O dito, melhor feito.
Logo se torceu no fuso
um cordão de novelaõ.
Encerrado foi. Amarrou-se a ele um caco, de bom jeito,
em forma de mei-lua.
E a modo de colar, foi posto em seu lugar,
isto é, no meu pescoço.
Ainda mais
agravada a penalidade:
proibição de chegar na porta da rua.
Era assim, antigamente. (...)


- Nesse poema, Cora denuncia a forma como era castigo uma criança, amarrando um cordão com cacos de porcelana no pescoço da dela.

Becos de Goiás


(...)E aquele menino, lenheiro ele, salvo seja.
Sem infância, sem idade.
Franzinho, maltrapilho,
pequeno para ser homem,
forte para ser criança.
Ser indefeso, indefinido, que só se vê na minha cidade. (...)

O Beco da Escola


(...) Mestra Lili... o seu perfil
Muidinha, magrinha.
Boa sobretudo. Força moral.
Energia concentrada. Espírito forte.
O hábito de ensinar, ralhar, levantar a palmatória,
afeicoara-lhe o conjunto
- enérgico, varonil. (...)


Minh Infância


(...) A rua... a rua!...
(Atração lúdica, anseio vivo da criança,
mundo sugestivo de maravilhosas descobertas)
- proibida às meninas do meu tempo.
Rígidos preconceitos familiares,
normas abusivas de educação
- emparedavam.(...)
...
(...) Na quietude sepulcral da casa,
era proibida, incomodava, a fala alta,
a risada franca, o grito espontâneo,
a turbulência ativa das crianças.

Contenção... motivação... Comportamento estreito,
limitado, estreitando exuberâncias,
pisando sesibilidades. (...)

(...) Intimidada, diminuída. Incompreendida.
Atitudes imposta, falsas, contrafeitas.
Repreensões ferinas, humilhantes.
E o medo de falar...
E a certeza de estar sempre errando...

Aprender a ficar calada.
Menina abobada, ouvindo sem responder.

Daí, no fim da minha vida,
esta cinza que me cobre...
Este desejo obscuro, amargo, anárquico
de me esconder,
mudar o ser, não ser,
sumir, desaparecer
e reaparecer
numa anônima criatura
sem compromisso de classe, de família.

Menor Abandonado

(...) Pudesse eu te ajudar, criança-estigma.
Defender tua causa, cortar tua raiz
chagada...

És o lema sombrio de uma bandeira
que levanto,
pedindo para ti - Menor Abandonado,
Escolas de Artesanato - Mater et Magistra
que possam te salvar, deter a tua queda... (...)


Oração do Pequeno Delinqüente

(...) Meu Deus, acordai o coração dos meus juízes.
Senhor, dai idealismo às autoridades
para que elas criem em cada bairro
pobre de Goiânia
uma Escola conjugada Profissional
e Alfabetização para os meninos pobres,
antes que eles se percam pelo abandono
e por medidas inoperantes e superadas dos que tudo podem. (...)

---------É dessa maneira que a poetisa 'quebra suas pedras e planta flores no caminho', sem que suas retinas fiquem fatigadas.
---------Seria esse o motivo da admiração de Drummond pelas poesias de Cora Coralina?

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