Todas as vezes que me apego a algum livro eu me pergunto sobre a inspiração que levou o escritor a tais palavras ou a se auto - representar metaforicamente de formas tão inusitadas e características. Seus motivos intrínsecos estão quase sempre representados em signos ou arquétipos Junguianos. Cora Coralina também possui a suas representações simbólicas, neste poema fica claro a sua identificação com as mulheres de sua sociedade, ela traça um paralelo entre as figuras destas e de sua própria, se tornando uma única pessoa, assim como sua identificação com as pedras, sementes raízes, morros e é claro com o rio vermelho, ela também se sente como a “cabocla velha acocorada ao pé do borralho”, a lavadeira do rio vermelho e a mulher da vida que finge alegria ao realizar o seu fardo. São todas as vidas de uma época dura, onde as mulheres ainda não tinham muitos direitos e a própria retratação da luta destas mulheres guerreiras esta ligada as muitas vidas de Cora Coralina.
Todas as vidas
Vive dentro de mim
uma cabocla velha
de mau-olhado,
acocorada ao pé do borralho,
olhando para o fogo.
Benze quebranto.
Bota feitiço...
Ogum. Orixá.
Macumba, terreiro.
Ogã, pai-de-santo...
Vive dentro de mim
a lavadeira do Rio Vermelho.
Seu cheiro gostoso
d'água e sabão.
Rodilha de pano.
Trouxa de roupa,
pedra de anil.
Sua coroa verde de são-caetano.
Vive dentro de mim
a mulher cozinheira.
Pimenta e cebola.
Quitute bem feito.
Panela de barro.
Taipa de lenha.
Cozinha antiga
toda pretinha.
Bem cacheada de picumã.
Pedra pontuda.
Cumbuco de coco.
Pisando alho-sal.
Vive dentro de mim
a mulher do povo.
Bem proletária.
Bem linguaruda,
desabusada, sem preconceitos.
de casca-grossa,
de chinelalinha,
e filharada.
Vive dentro de mim
a mulher roceira
- Enxerto da terra,
meio casmurra.
Trabalhadeira.
Madrugadeira.
Analfabeta.
De pé no chão.
Bem parideira.
Bem criadeira.
Seus doze filhos,
Seus vinte netos.
Vive dentro de mim
a mulher da vida.
Minha irmãzinha...
tão desprezada,
tão murmurada...
Fingindo alegre seu triste fardo.
Todas as vidas dentro de mim:
Na minha vida -
a vida mera das obscuras.
Cora Coralina
Um comentário:
Olá, belo blog... Adoro Cora Coralina, passei minha infãncia visitando Goiás Velha, conheço demais a 'casa do Rio Vermelho', as igrejas, o empadão tão gostoso, as panelas de barro, adoro pequi.. Vejo Cora nitidamente nesses versos... Um docinho dela pra você : ) monicahummingbird@facebook.com
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