sábado, 8 de setembro de 2007

Seis mulheres e uma vida


Todas as vezes que me apego a algum livro eu me pergunto sobre a inspiração que levou o escritor a tais palavras ou a se auto - representar metaforicamente de formas tão inusitadas e características. Seus motivos intrínsecos estão quase sempre representados em signos ou arquétipos Junguianos. Cora Coralina também possui a suas representações simbólicas, neste poema fica claro a sua identificação com as mulheres de sua sociedade, ela traça um paralelo entre as figuras destas e de sua própria, se tornando uma única pessoa, assim como sua identificação com as pedras, sementes raízes, morros e é claro com o rio vermelho, ela também se sente como a “cabocla velha acocorada ao pé do borralho”, a lavadeira do rio vermelho e a mulher da vida que finge alegria ao realizar o seu fardo. São todas as vidas de uma época dura, onde as mulheres ainda não tinham muitos direitos e a própria retratação da luta destas mulheres guerreiras esta ligada as muitas vidas de Cora Coralina.


Todas as vidas

Vive dentro de mim

uma cabocla velha

de mau-olhado,

acocorada ao pé do borralho,

olhando para o fogo.

Benze quebranto.

Bota feitiço...

Ogum. Orixá.

Macumba, terreiro.

Ogã, pai-de-santo...

Vive dentro de mim

a lavadeira do Rio Vermelho.

Seu cheiro gostoso

d'água e sabão.

Rodilha de pano.

Trouxa de roupa,

pedra de anil.

Sua coroa verde de são-caetano.

Vive dentro de mim

a mulher cozinheira.

Pimenta e cebola.

Quitute bem feito.

Panela de barro.

Taipa de lenha.

Cozinha antiga

toda pretinha.

Bem cacheada de picumã.

Pedra pontuda.

Cumbuco de coco.

Pisando alho-sal.

Vive dentro de mim

a mulher do povo.

Bem proletária.

Bem linguaruda,

desabusada, sem preconceitos.

de casca-grossa,

de chinelalinha,

e filharada.

Vive dentro de mim

a mulher roceira

- Enxerto da terra,

meio casmurra.

Trabalhadeira.

Madrugadeira.

Analfabeta.

De pé no chão.

Bem parideira.

Bem criadeira.

Seus doze filhos,

Seus vinte netos.

Vive dentro de mim

a mulher da vida.

Minha irmãzinha...

tão desprezada,

tão murmurada...

Fingindo alegre seu triste fardo.

Todas as vidas dentro de mim:

Na minha vida -

a vida mera das obscuras.


Cora Coralina



Um comentário:

The world surrounded by our ideas.. disse...

Olá, belo blog... Adoro Cora Coralina, passei minha infãncia visitando Goiás Velha, conheço demais a 'casa do Rio Vermelho', as igrejas, o empadão tão gostoso, as panelas de barro, adoro pequi.. Vejo Cora nitidamente nesses versos... Um docinho dela pra você : ) monicahummingbird@facebook.com

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